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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2021 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

N.º 57 - janeiro 2021

 

© 2007 Teresa Carpenter

Os meus três amores

Título original: Baby Twins: Parents Needed

Publicada originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

 

© 2007 Rebecca Winters

Tal como sou

Título original: The Lazaridis Marriage

Publicada originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

Estes títulos foram publicados originalmente em português em 2008

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Bianca e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-1375-268-6

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Os meus três amores

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Tal como sou

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

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Os meus três amores

Capítulo 1

 

 

 

 

 

Rachel Adams estava em guerra. E o inimigo estava em vantagem. Com as mãos apoiadas na anca, observava os dois querubins de faces gordinhas e de olhos cor de avelã que estavam cobertos de creme para bebés.

– Cody Anthony Adams – Rachel repreendeu o menino de dez meses, que não parecia arrependido, – se não és capaz de ter as mãos quietas, vou atar-tas à fralda durante as sestas.

Rachel, que já estava cansada de antemão, ficou ainda mais nervosa ao ver aquele desastre. Respirou fundo para se tranquilizar e recordou-se que naquele momento era mãe. Prometera dar um lar ao seu sobrinho e à sua sobrinha, que eram órfãos.

Mas ainda tinha muito para aprender.

Já descobrira que as crianças, como os animais, sentiam o medo.

Mal tivera tempo para chorar a morte de uma irmã que mal conhecera. Mas depois aprendera que aqueles desastres aconteciam. E repetidamente. E que se não mantivesse as coisas suficientemente afastadas do alcance de Cody, aconteciam de um modo muito criativo. Com frequência, com comida: gelatina, bananas, batatas, tudo o que caísse nas suas mãos quando ela se virava. O menino gostava de pintar com os dedos. E o seu objectivo favorito era a sua irmã.

Que nojo!

Armada com luvas de borracha e uma caixa de toalhetes, Rachel decidiu atacar. Limpou-lhes o corpo, os dedos das mãos e dos pés e o cabelo. Para acabar o trabalho, teria de dar banho aos dois bebés. E afastar o berço do fraldário.

De repente, percebeu algo: aquilo devia ser amor. Quando a tolerância eclipsava a exasperação, deixando que o afecto dominasse, não havia outra explicação.

Em algum momento dos últimos seis dias, apaixonara-se. E nunca antes sentira algo do género.

Era um sentimento que a aterrava.

Havia uma coisa que estava clara: se a pessoa com quem partilhava a tutela passasse por ali, ela lutaria com unhas e dentes para ficar com os seus sobrinhos.

– Pronto, crianças, vão ter de me aguentar e estou nas últimas. Mas ficarei convosco. E prometo-vos que saberão sempre que vos amo. Não terão de se preocupar com o facto de alguém se sentir obrigado a tolerar-vos. Agora somos uma família – sussurrou, com um nó na garganta.

Tirou as luvas de borracha e passou a mão pelo cabelo moreno de Cody. Continuava à procura da semelhança dos gémeos com a sua irmã e, de vez em quando, captava alguma expressão. Mas o cabelo e os olhos tão escuros deviam parecer-se com o seu pai, porque Crystal tinha os olhos castanhos e o cabelo castanho-claro.

Crystal era muito parecida com o seu pai e ela era parecida com a sua mãe. Rachel tinha o cabelo muito loiro e usava-o sempre curto. Tinha uns olhos entre azuis e verdes.

Um golpe inesperado na porta interrompeu os seus pensamentos.

Rachel ficou tensa.

– Quem pode ser?

Afastou uma madeixa de cabelo dos olhos, olhou para as duas crianças nuas e considerou ignorar a porta. Fosse quem fosse, não podia ter chegado em pior momento.

Jolie começou a chorar. Durante a semana que os gémeos tinham estado ao seu cuidado, Rachel aprendera que Cody gostava de estar nu, mas Jolie não.

Rachel era uma mulher solitária, que preferia os animais e as plantas à maioria das pessoas e que não costumava receber visitas, nem sequer dos seus vizinhos. Mas a pessoa que batia à porta queria entrar, porque insistiu.

Deixou os gémeos no berço, certificou-se de que não havia mais nada ao alcance de Cody e dirigiu-se para a porta, dizendo para si que já não era uma solitária. Viu um homem que tinha as mãos nos bolsos do casaco preto que vestia.

Hum. Seria Ford Sullivan a pessoa com quem partilhava a tutela das crianças? Era membro das Forças Especiais e o seu comandante dissera a Rachel que Sullivan, aliás Mustang, estava fora do país quando os gémeos ficaram órfãos, mas que estaria disponível assim que voltasse da sua missão.

Tanto lhe fazia se não voltasse.

Abriu a porta só alguns centímetros.

O homem era mais alto e largo de costas do que lhe parecera à primeira vista. Muito maior. Vestia calças de ganga e casaco de couro e usava óculos escuros, botas de motorista e barba de três dias. O céu estava cinzento e nevava, os flocos de neve caíam sobre os seus ombros largos e o seu cabelo escuro.

Pareceu-lhe um homem perigoso.

Rachel, que sentia fraqueza pelos filmes de acção, sentiu um calafrio ao vê-lo.

Fez figas para que fosse um motorista que ficara sem gasolina.

– Sim? – perguntou. Não lhe perguntou se podia ajudá-lo. Nem sorriu. Pensava que, se sorrisse, as pessoas entretinham-se mais e, a maior parte do tempo, preferia estar sozinha.

– Rachel Adams? – perguntou ele. Tinha uma voz profunda de barítono.

Ela voltou a sentir outro calafrio.

– Sim – mudou de posição, inquieta, e pensou que devia ter estacionado o todo-o-terreno no celeiro.

– Irmã de Crystal Adams?

Não podia ser um motorista. Rachel deitou a cabeça para trás e observou-o com mais calma.

– Suponho que é Ford Sullivan.

Ele assentiu.

– Sim, vim buscar os gémeos.

Furiosa, Rachel pôs-lhe a mão no meio do peito quando ele tentou atravessar a soleira da porta.

– Espere, tipo duro. Não o conheço. E, por enquanto, não gostei do que ouvi.

Sullivan não recuou nem um centímetro, mas Rachel sentiu como ficava tenso e semicerrava os olhos, como um aviso da sua força e determinação. Pôs a mão no casaco e tirou a carteira. Mostrou-lhe o seu cartão de identificação militar.

Ela sabia que as Forças Especiais eram um corpo de elite que trabalhava nos lugares mais complicados do mundo. Sabia por filmes e livros, mas era evidente que estava a considerar um trabalho de alta segurança.

Depois de um instante, ele retirou o cartão dos dedos gelados de Rachel.

– Senhora, vim de muito longe e está muito frio aqui fora.

Ela não queria deixá-lo entrar, sobretudo porque lhe dissera que viera para levar os gémeos. E porque queria ficar com eles, mas aquele homem tinha direitos legais que Rachel não podia ignorar.

Contrariada, desviou-se e deixou-o entrar. O oficial com quem falara dissera-lhe que Sullivan era um homem honesto. Muito bem.

Rachel suspirou e fechou a porta. Depois, cerrou os dentes ao vê-lo à frente da lareira. O seu corpo enorme fazia com que a sala dela, pintada de azul e cinzento, parecesse demasiado pequena.

E mais desordenada do que ela pensara. Os bebés tinham chegado com muitas necessidades. Arrumar a casa era um luxo, tal como dormir e tomar banho.

Os gritos de Jolie do quarto fizeram Rachel lembrar-se do que estivera a fazer antes de abrir a porta. Sorriu, divertida. Estivera a pensar que estava na guerra e ali estava um dos seus inimigos.

Aquele homem queria as crianças? Então, ia ajudar.

– Fico contente por estar aqui – comentou, tentando ignorar o desprezo com que Sullivan olhava em seu redor e segurando-o pelo braço para o levar para o quarto. – Porque os gémeos precisam de um banho.

Sullivan não resistiu. Tirou os óculos de sol, deixando à vista uns olhos azuis e inexpressivos, e pousou-os em cima da cama juntamente com o seu casaco.

Jolie parou de chorar imediatamente ao olhar para ele. Rachel não a culpava. A t-shirt de algodão que vestia marcava-lhe os peitorais duros e os ombros. Tinha os braços fortes e bronzeados. Aquecia o quarto melhor do que uma lareira.

Rachel não devia ter reparado naquilo, mas não conseguiu evitá-lo, sobretudo quando Sullivan se aproximou para limpar o queixo de Jolie.

– O que se passou? – quis saber.

Rachel explicou-lhe os costumes de Cody.

Sullivan arqueou uma das suas sobrancelhas escuras.

– Talvez devesse vigiá-los melhor.

– Oh, como não me terá ocorrido antes? – estúpido! Rachel pegou em Jolie ao colo. – Pegue em Cody. A casa de banho é ali.

Rachel tremeu ao perceber que havia toalhas e roupa suja por todos os lados. Metade do seu estojo de primeiros-socorros estava no lavatório. E também havia… um garfo?

Tentou ignorar o caos e a vergonha que estava a passar e dobrou-se para abrir a torneira da banheira. Quando a água começou a sair quente, ajoelhou-se sobre uma toalha que deixara ao lado da banheira da última vez que dera banho às crianças. Depois, pôs Jolie na água.

– Vigie os bebés – pediu a Sullivan, levantando-se. – Vou procurar toalhas limpas.

– Isso seria bom – respondeu ele, sem se incomodar em esconder o seu desdém.

Surpreendida, Rachel virou-se para o enfrentar, mas ele estava concentrado nas crianças. Hesitou durante alguns segundos; não sabia se devia tranquilizar-se ou desafiá-lo.

Por um lado, tinha de admitir que a casa estava muito desarrumada e, por outro, só estava há seis dias com as crianças. Como é que aquele tipo se atrevia a julgá-la?

Teria gostado de ver se ele era capaz de o fazer melhor.

Não, virou-se e foi buscar as toalhas. Era melhor não o desafiar, porque então levaria os gémeos e ela precisava de cuidar deles, estar lá para eles, já que não estivera lá para a sua irmã.

Se Sullivan pensava que ia deixar que os levasse tão facilmente, estava errado.

– Como conheceu Crystal? – perguntou Rachel, quando voltou para a casa de banho.

Ajoelhou-se ao seu lado, deixando bastante espaço no meio. Olhou para ele e tentou fingir que não via que as crianças lhe tinham molhado a t-shirt, que se colava ao seu peito impressionante.

– Ei! – gritou Cody, contente, e salpicou água com as duas mãos, molhando todos. Jolie afastou-se, caindo para um lado. Rachel tentou segurá-la, mas Sullivan chegou primeiro com as suas mãos grandes e competentes.

Segurou-a com tanto cuidado que a fez rir-se. Parecia muito calmo, apesar de, evidentemente, a situação o frustrar.

– Não conhecia Crystal – respondeu ele finalmente, enquanto coçava a barriga de Jolie. – Pelo menos, não a conhecia bem. Tony Valenti era o meu amigo. Trabalhávamos juntos.

– O pai dos gémeos?

– Sim.

– Também era militar?

– Sim – fez uma breve pausa. – Salvou-me a vida.

– Estou a ver – sim. E a coisa não tinha bom aspecto. Sullivan era um homem honrado e sentia-se obrigado a cuidar dos gémeos porque o devia ao seu amigo.

 

 

Uma hora mais tarde, os bebés já tinha tomado banho, já estavam vestidos e já tinham jantado. Rachel deixou Jolie no parque e deu-lhe alguns blocos de plástico. Tinha de admitir que mais duas mãos tinham feito com que as coisas fossem muito mais fáceis. E mais rápidas. Ela teria demorado quase o dobro do tempo a fazer tudo.

Virou-se para o sofá, onde Sullivan estava sentado, com Cody. O menino olhou para ele e sorriu, mostrando dois dentes. O homem passou-lhe um dedo pela face e pô-lo de joelhos.

Cody agarrou-lhe numa madeixa de cabelo.

Sullivan soltou-se com cuidado.

Dar-se-iam bem muito depressa.

Rachel cruzou os braços, não queria admitir que a imagem lhe parecia enternecedora. Dirigiu-se para o lado oposto do sofá e começou a dobrar a roupa limpa que havia no canto.

– Quais são os seus planos com os gémeos? – perguntou.

Ele arqueou uma sobrancelha, surpreendido por ela ser tão directa.

– Planeei cumprir com o que o meu amigo me pediu e levá-los para San Diego para que cresçam lá.

Rachel sentiu um aperto no coração ao ver os seus piores receios confirmados.

– Está bem. E eu?

– Muito simples. Espero que renuncie à custódia.

– Simples? – Rachel quase se engasgou ao repetir a palavra. – Como pode dizer que é simples com esse bebé ao colo?

Ele franziu o sobrolho e mudou o bebé de posição. Cody deitou a cabeça para trás e olhou para a cara deles. Os dois voltaram a comunicar-se em silêncio.

Depois, Sullivan olhou para Rachel.

– Entendo que não seja fácil para si. Mas é o melhor.

– Não entende nada. Falhei uma vez à minha irmã. Não voltarei a falhar. Quando morreu, o seu último desejo foi que eu criasse estas crianças. E é o que vou fazer.

Ele continuou a olhar para ela e, depois, inclinou a cabeça.

– A sua irmã nunca quis que os criasse.

Rachel deitou a cabeça para trás e, depois, para a frente, como se lhe tivessem dado um murro no queixo. Se Sullivan lhe tivesse batido, não a teria magoado mais.

Rachel sentiu uma culpa que tinha origem no passado, mas obrigou-se a afastá-la da sua mente. Crystal e ela tinham deixado o passado para trás quando os seus pais tinham falecido, há três anos, e Crystal fora viver com Rachel. Quando Crystal fora estudar para a Universidade de San Diego, tinham continuado em contacto por telefone e correio electrónico.

Rachel era a única família que Crystal tinha. Apesar do cansaço da semana anterior, Rachel sempre acreditara que a sua irmã queria que ela tratasse de Jolie e Cody.

Esfregou os braços, como se tivesse frio, mas quando percebeu que Sullivan a observava, cerrou os punhos e pô-los ao lado do corpo.

– Como pode dizer algo tão horrível? – perguntou.

– Eu só sei o que Tony me contou. Crystal não queria que ele nomeasse um tutor sem a consultar, foi por isso que a nomeou.

– O que demonstra que queria que eu criasse os seus filhos – replicou ela, ficando mais tranquila.

– Não. Não se ofenda, mas Tony não queria que alguém que fugisse da vida e das responsabilidades e que não fosse capaz de manter uma relação cuidasse dos seus filhos.

Rachel quis desmentir aquilo. Não podia acreditar que aquilo estivesse a acontecer. Mas era real. Ele estava ali, na sala dela, e não ia fazê-lo mudar de opinião.

– Não acredito. E se é uma brincadeira, parece-me de muito mau gosto.

– Não é nenhuma brincadeira – ele hesitou. Era evidente que tinha informação que não queria partilhar com ela. – Isso seria cruel. Ouça, eu pertenço a uma família muito numerosa e unida e Tony fazia parte dela. Ele queria que os gémeos também tivessem esses laços de união.

Sullivan baixou-se para recuperar o seu casaco e tirar alguns papéis. Estendeu-os a Rachel.

– Trouxe alguns documentos para assinar, para me ceder a custódia.

Contrariada, Rachel olhou para os papéis que lhe oferecia. Não queria pegar neles, não queria pensar que tinha razão a respeito dos motivos da sua irmã para a nomear como tutora, mas que aprendera há muito tempo que não servia de nada enganar-se.

Nem tentar evitar a realidade.

Ele olhou em seu redor e, depois, olhou para ela nos olhos.

– É evidente que a situação está fora do seu controlo – comentou.

– Isso é ridículo! – defendeu-se ela, ignorando os papéis e segurando nos babetes das crianças. – Não está fora do meu controlo. Só preciso de um pouco de tempo para me habituar.

Ele levantou-se e deixou Cody ao lado de Jolie, no parque.

– E enquanto se habitua, as crianças sofrem.

Rachel sentiu que a raiva que estava a conter desde que abrira a porta começava a bulir no seu interior. Pôs as mãos na anca e olhou para ele, indignada.

– Como se atreve? Não sofreram. Estou um pouco atrasada nos trabalhos da casa. E então? Apanhou-me num mau dia. Costumo arrumar quando estão a dormir, mas ontem à noite tinha de escrever. Tinha de fazer uma entrega.

Ele apontou para a sala desarrumada, os olhos azuis brilhavam de impaciência.

– Isto está aqui acumulado há mais de um dia. Torne as coisas fáceis para os dois. Renuncie à custódia e não terá de se habituar, não terá de andar atrás deles a arrumar.

– Basta! – Rachel não aguentava mais.

Entrou no seu quarto e pegou no saco das fraldas. Foi ao fraldário e arrumou fraldas, dois pijamas, um pacote de toalhetes e o leite em pó para o biberão no saco.

– Acha que pode fazer melhor do que eu? – perguntou, passando ao lado de Sullivan, a caminho da cozinha.

– Acho que é melhor acalmar-se – respondeu ele, com tanta calma que Rachel ficou ainda mais nervosa.

Ela abriu a porta do frigorífico e suspirou ao sentir que a unha do dedo polegar ficava presa e se partia. Os seus olhos encheram-se de lágrimas, mas conteve-as. Não queria mostrar nenhum sinal de fraqueza à frente daquele homem frio que a observava e que julgava todos os seus movimentos.

– Estou tranquila – declarou, arrancando a unha partida e pondo o dedo na boca enquanto segurava a porta do frigorífico com a anca, tirava dois biberões e os punha no saco das fraldas.

Dirigiu-se para ele e pôs-lhe o saco nos braços.

– Estou lindamente!

Foi até ao parque, pegou em Jolie ao colo. Agarrou em duas mantas e tapou-a com uma delas. Depois, atirou a outra a Sullivan, que olhava para ela com receio.

– Traga Cody.

– O que está a acontecer aqui, Rachel?

– Estou a fazer-lhe um favor – respondeu ela, procurando o seu casaco e tirando as chaves do carro. Depois, dirigiu-se para a porta.

– Vai assinar os papéis?

Ela riu-se.

– Ainda melhor. Não vou assiná-los.

Ele seguiu-a até ao Toyota e fê-la virar-se, com Jolie ao colo.

– Onde pensa que vai?

– Eu não vou a lado nenhum. O senhor é que se vai embora – tirou o saco com as coisas dos bebés, abriu a porta e atirou-o lá para dentro. – Queria os gémeos? Aqui os tem. Durante as próximas vinte e quatro horas.

– Desculpe? Não estou habituado a receber ordens.

– Claro que está, está no exército.

Não podia discutir isso.

A expressão dele não mudou, não ia ceder assim tão facilmente, mas ergueu-se, como se se preparasse para lutar e isso indicava que Rachel conseguira acertar onde mais lhe doía.

Ela devia ter-se sentido envergonhada pela satisfação que sentia, mas aquele tipo estava a ameaçá-la a demasiados níveis.

– Parece que pensa que é fácil tratar de dois bebés – continuou Rachel, abrindo a porta de trás, sentando Jolie e prendendo-a na sua cadeira. – Muito bem. Vai ter uma oportunidade.

Sullivan deixara a porta aberta. Cody não gostava de ficar sozinho na casa e começou a gritar. Rachel olhou para Sullivan com desdém.

– Talvez queira começar por ir buscar Cody – sugeriu.

– Só quando entender o que se passa aqui.

Ela fechou a porta do carro e manteve a distância, permanecendo afastada da sua atracção. Como era possível que aquele estranho tivesse tal efeito nela?

– A primeira coisa que tem de saber é que não tem de se ir embora quando um bebé chora.

Ele passou uma mão pelo cabelo escuro.

– Tem razão.

Voltou para a casa e regressou alguns segundos depois com o casaco debaixo de um braço e Cody enrolado numa manta.

Está bem, Sullivan estava a começar a agir com bom-senso.

Rachel tentou pegar em Cody ao colo, mas Sullivan segurava-o com força. Ela arqueou uma sobrancelha e esperou.

– Antes temos de falar – afirmou ele.

– Não, falaremos depois. Depois de ter tentado dar de comer e mudar dois bebés. Depois de ter passado a noite sem dormir a tentar adormecê-los. Depois de não ter conseguido lavar os dentes e de terem manchado a sua melhor camisa. Então, falaremos.

Ele cerrou os dentes e abanou a cabeça.

– Como sabe que não vou levá-los para San Diego?

Ela olhou para ele com os olhos semicerrados e agarrou em Cody com força.

– Porque sei que é um homem de honra. Íntegro. Falei com o seu comandante – deu a volta ao todo-o-terreno e instalou Cody na sua cadeira. Deu-lhe um beijo na cabeça e tapou-o com a manta.

Depois, baixou-se, apanhou alguns brinquedos do chão e deu-os aos bebés. Eles levaram-nos imediatamente à boca. Confiavam nela. A vida de um bebé de dez meses não era nada complicada.

– Faço-o por vocês, crianças – replicou. – Não tenham piedade.

Depois, voltou para o outro lado do carro.

– Além disso, não assinei os papéis – depois estendeu o braço com a palma da mão para cima. – As chaves.

– Pensei que ia levar as crianças – recordou-lhe ele, com os ombros ainda em tensão.

– Quero as chaves do seu jipe. Vai levar o meu carro. Eu precisarei do seu.

Ele franziu o sobrolho, era evidente que não gostava da situação.

– Olhe, não vou renunciar aos bebés sem lutar por eles, mas estou cansada, suja e faminta. Não estou preparada para discutir o assunto. E o senhor também não estará enquanto não passar algum tempo com os gémeos. Portanto, troquemos as chaves e vemo-nos amanhã.

Ele hesitou por um instante.

Finalmente, deu-lhe as chaves do seu carro e aceitou as dela.

– Espero que perceba o que está a fazer – replicou Sullivan, entrando no todo-o-terreno e pondo o cinto. – A honra e a integridade não me transformam num cavalheiro – fechou a porta e pôs o veículo a trabalhar. Depois, abriu a janela. – Sou um soldado. Os soldados nunca abandonam os seus homens.

Rachel observou como o carro desaparecia pelo caminho e rezou para que não tivesse cometido o maior erro de toda a sua vida.

Capítulo 2

 

 

 

 

 

Ford estacionou à frente do quarto do seu hotel, apoiou as costas no banco e fechou os olhos. Saíra da casa de Rachel Adams há vinte horas e já estava disposto a voltar lá com a cabeça baixa e o rabo entre as pernas.

Que humilhante!

Usando toda a prática que aprendera nos oito anos que passara no exército, arriscou-se a mexer-se para olhar para os bebés, que estavam no banco de trás. Jolie, tão limpa como a sentara, dormia com o gorro e abraçada ao biberão. Cody, que perdera o gorro e os sapatos há muito tempo, tinha a face suja de molho de tomate e uma batata frita na mão.

Conseguira adormecê-los há uma hora.

Acomodou-se no banco. Tencionava ficar ali, sem se mexer, enquanto os bebés estivessem a dormir.

Só a sua teimosia é que o impedira de voltar para casa de Rachel há várias horas. Como é que ela conseguira fazer tudo sozinha durante seis dias?

Telefonara para casa para que a avó e outros membros da família, e amigos, lhe dessem algum conselho, mas nada parecia funcionar com os gémeos. Nada do que fizera, dissera ou cantara, sim, também cantara, funcionara.

Era evidente que as crianças queriam voltar para Rachel.

E ele também queria voltar para ao pé dela e isso não tinha nada a ver com as curvas doces que se escondiam por baixo da sua t-shirt cheia de manchas. Muito bem, mentia. Nenhum homem teria podido permanecer alheio ao seu corpo esbelto, mas o seu rabo e o seu peito não tinham nada a ver com aquilo. Enganara-se com ela. Tinha de admitir que ela tratara das crianças durante seis dias com paciência e devoção.

Não conseguira dormir mais de duas horas naquela noite. E ela estivera assim durante seis noites. Não era de estranhar que os seus bonitos olhos azuis esverdeados estivessem toldados pelas olheiras.

Era uma mulher lutadora. Uma fera loira, decidida a interpor-se entre ele e as suas crias. Mas, mesmo assim, não conseguiria ganhar.

Evidentemente, descuidara para cuidar dos bebés. Ford sentiu o instinto protector, em vez de pensar em como convencê-la de que as crianças estariam melhor com ele.

Dissera-lhe que um soldado nunca abandonava um homem e era a verdade. Não podia deixar os gémeos de Tony aos cuidados de outra pessoa.

Ficou tenso e olhou pela janela exactamente quando o xerife local aparecia à frente dele. Ford levantou uma mão e saiu do carro.

– Agente – começou Ford, cumprimentando o homem, que parecia muito limpo vestido com o seu uniforme. Segundo a sua placa, era o xerife Mitchell. – Como posso ajudá-lo?

– Senhor – respondeu o xerife, cruzando os braços e apontando para o todo-o-terreno de Rachel. – Algum problema?

– Não – respondeu Ford, deixando as mãos à vista para que o outro homem não se sentisse ameaçado. Será que o dono do hotel o chamara? Fora duas vezes ao seu quarto para dizer que os outros clientes estavam a queixar-se dos choros das crianças. – Nenhum problema.

A última coisa que queria era meter-se em confusões com os agentes locais.

– Este veículo pertence a Rachel Adams – comentou o xerife Mitchell, olhando pela janela de trás. – Estas são as crianças dela.

– Sim – o que é que Rachel estava a fazer? Será que se arrependera de o ter deixado levar as crianças? – Ela telefonou para se queixar?

– Não precisamos que ninguém nos telefone para nos preocuparmos com os cidadãos de Scobey.

– Tenho a certeza de que apreciam a sua diligência – replicou Ford, que crescera numa cidade pequena e sabia a autoridade que tinha o xerife nelas.

– O que está a fazer na nossa cidade?

– Isso é entre mim e a senhora Adams – respondeu ele, que não tencionava contar-lhe nada.

– Ouvi dizer que houve queixas devido aos choros dos bebés.

Ford estava a começar a ficar sem paciência. Abriu a porta do lado de Cody e apontou lá para dentro.

– Julgue por si próprio, estão bem. Ainda estão a habituar-se à perda dos seus pais. Têm o direito de chorar.

– Suponho que sim – comentou o xerife, ajustando as calças e espreitando para olhar para as crianças. Satisfeito, voltou a endireitar-se. – O que estão a fazer aqui fora?

Ford franziu o sobrolho ao ver que Cody começava a mexer-se. Fechou a porta com cuidado.

– Não dormiram bem. Dei um passeio para os acalmar.

– Está bem. Vou deixá-lo ir – anunciou Mitchell, que parecia decepcionado por não ter podido deter Ford. – Mas tenha cuidado, Rachel Adams não está sozinha em Scobey.

 

 

– Há aproximadamente uma hora que não pára de nevar – indicou Rachel, franzindo o sobrolho enquanto olhava pela janela. O céu estava coberto e o vento soprava com força. Esperava que o mau tempo não impedisse Sullivan de lhe devolver os gémeos. Talvez devesse telefonar-lhe e dizer-lhe para voltar o mais depressa possível.

– Posso parar por lá a caminho de casa – ofereceu-se Sam Mitchell. – Para me certificar de que está bem – telefonara-lhe para a avisar de que uma frente fria estava a avançar rapidamente.

Já mencionara que vira Ford Sullivan na cidade. De certeza que fora ao hotel à procura dele.

– Mitch, estou bem. Não precisas de vir.

Acabara com ele há quase dois anos, mas o xerife continuava a meter-se nos seus assuntos com a esperança de que voltasse a surgir a paixão entre ambos.

– Acho que estão a sentir saudades tuas na clínica.

– Hum…

– O cão da senhora Regent, Poopsy, mordeu alguns rapazes.

– Oh…

– Sim. Poopsy sente a tua falta. Dizem que a senhora Regent só voltará a levar Poopsy à clínica quando tu voltares.

– Que alegria!

Rachel abriu outra mensagem de correio electrónico e perguntou-se como é que aquele homem conseguia manter uma conversa sozinho durante tanto tempo.

Quase sem o ouvir, mandou o seu último artigo e, depois, desligou o computador. Ao levantar o olhar, viu o seu todo-o-terreno pela janela.

Depois, olhou para o relógio. Sullivan chegava cedo. Quase três horas antes de tempo.

Sim!

– Mitch, tenho de desligar. Sullivan acabou de chegar com os bebés.

– Continuo sem gostar do facto de estares sozinha com ele. Telefona-me se tiveres algum problema.

– É militar, Mitch. Ou estou em boas mãos ou nunca encontrarás o meu cadáver.

– Não és nada engraçada!

– Eu sei.

Ainda que Rachel não receasse pela sua vida, mas pela sua tranquilidade moral. Não só porque aquele homem ameaçara levar os gémeos, mas porque sonhara com as suas mãos enormes a acariciá-la.

Bateram à porta.

– Mitch, ficarei bem. Tenho de ir – desligou o telefone e dirigiu-se para a porta. Não queria que Sullivan percebesse que estava acalorada e incomodada.

Abriu a porta e espreitou. Sullivan estava sozinho no alpendre.

– Sullivan. Chegou muito cedo.

Ele passou uma mão pelo cabelo. Era o primeiro sinal de vulnerabilidade que mostrava. Atrás dele nevava ainda mais do que há alguns minutos. Os flocos brancos caíam sobre os seus ombros largos e o cabelo escuro. Rachel alegrou-se por vê-lo despenteado.

Ele corou. Rachel pestanejou, surpreendida. Será que corava de raiva ou de vergonha?

– Chama-me Ford, ou Mustang, se preferires. Deixa-me ser directo – pediu, olhando para ela nos olhos. – Lamento muito. Tirei conclusões precipitadas. Fizeste um trabalho óptimo a tratar de Cody e Jolie sozinha durante a última semana. Obrigado por teres estado presente para eles.

Que injusto! Ela esperara vê-lo num momento de fraqueza e, em vez disso, ele mostrava toda a sua força, desculpando-se com sinceridade. E queria que lhe chamasse Mustang? Imaginou os bonitos cavalos de corridas, orgulhosos e selvagens, livres e temerários; conseguia imaginar porque lhe tinham dado aquela alcunha.

Não, continuaria a chamá-lo Sullivan, que era muito menos íntimo.

– Já chega. Ou vais fazer-me chorar – ela saiu. – Vamos pôr as crianças em casa, está a nevar.

Abriu a porta que ficava mais perto, tirou Jolie e voltou para casa. Os seus dentes batiam de frio, já que não vestira casaco, portanto foi directa ao fogo.

Estendeu uma manta no chão e deixou Jolie nela com alguns carros de brinquedo. Depois, recuou e observou como Sullivan deixava Cody na manta.

Depois, enrolou-se num lado do sofá, enquanto Sullivan andava de um lado para o outro.

Daquela vez, Rachel não tinha de se envergonhar. Estivera muito ocupada durante as últimas vinte e uma horas. Bom, passara a primeira parte do tempo a dormir, mas depois limpara a casa e arrumara a roupa. Além disso, escrevera alguns artigos a respeito dos costumes dos animais.

– A casa tem um aspecto óptimo.

– Tu não – Jolie parou de brincar com os carros e foi a gatinhar até Rachel, que pegou nela ao colo. – Quanto tempo dormiste?

– Já dormi menos antes – respondeu ele. – O problema não foi a falta de sono, mas a impotência. Sou um homem de acção, mas nada do que fiz pareceu estar bem.

– Isso aconteceu-me durante os três primeiros dias, até começarem a tranquilizar-se.

A conversa estava a correr bem. Até a fez rir-se quando lhe contou que encontrara os cereais na mala, e que, dado que não tinha onde sentar as crianças, os pusera nas cadeiras do carro.

– Pelo menos, pararam de chorar enquanto comiam – comentou Sullivan, segurando em Cody, que estava a tentar subir-lhe pela perna.

– Consolam-se um ao outro – replicou Rachel, passando a mão pelo cabelo suave de Jolie.

O olhar de Sullivan disse tudo.

– Queres dizer que se alimentam das emoções um do outro. Um começa a chorar e o outro tenta superá-lo.

– Tens de recordar que estão traumatizados – Rachel defendeu os seus sobrinhos. – Perderam os seus pais. Vai ser difícil recuperar.

– Sim e quanto mais depressa o fizerem, melhor. Consideraste assinar os papéis?

Rachel sentiu-se decepcionada. Mas não ia assinar. Nem então nem nunca.

– Acho que devias ser tu a assiná-los – desafiou-o.

Antes de ter tempo de responder, as luzes tremeram. Uma vez. Duas. Depois, voltaram.

– Oh!

Segurando em Jolie com força, Rachel aproximou-se da janela. O vento era tão forte que nevava quase na horizontal e muito. O que confirmava os seus receios.

Era uma tempestade de neve.

– Tem mau aspecto – comentou Sullivan, de trás dela.

Rachel cheirou o perfume dele. Cheirava a almíscar e a homem, uma mistura embriagadora, que quase conseguiu distraí-la da tempestade.

Mas aquilo teria sido um erro terrível.

– Sim. Uma tempestade de neve. Não disseram nada nas notícias – era evidente que devia ter prestado atenção a Mitch.

– Não seria a primeira vez que se enganavam.

Rachel riu-se.

– Tens razão.

O seu todo-o-terreno já estava enterrado por baixo de uma camada de neve e de gelo. Tinha de o levar para a garagem se não quisesse que o motor congelasse.

As luzes voltaram a tremer. Depois, restabeleceram-se.

Mas isso não duraria.

– Tens um gerador? – perguntou ele.

– O combustível está no celeiro.

Rachel esperava ter o suficiente para passar a tempestade. Dado que vivia sozinha, aprendera a estar preparada, mas uma tempestade destruíra uma torre no fim de Setembro e deixara-a sem electricidade. Não tivera tempo de repor o combustível antes de receber as notícias terríveis da morte de Crystal. E depois estivera tão ocupada com os gémeos que também não pensara nisso.

– Devia ir-me embora. Suponho que me deixarão ficar no hotel se voltar sem as crianças.

– Não podes conduzir assim – Rachel estendeu-lhe Jolie e foi ao armário buscar um casaco e umas botas. – Dá-me as minhas chaves.

– Conduzi em situações piores.

– Portanto, queres voltar a deixar-me sozinha com os bebés? – calçara uma bota e tinha a outra não. Parou para apoiar as mãos nas ancas. – Olha, eu também não gosto que fiques, mas não deixaria que o meu pior inimigo se fosse embora com semelhante tempestade. Espera, tu és o meu pior inimigo.

Ele arqueou uma sobrancelha enquanto embalava os bebés, mas limitou-se a dizer:

– Só estamos a nove quilómetros da cidade.

– Só? – Rachel calçou a outra bota. Que Deus ajudasse os turistas ignorantes. – De onde és?

– Do sul da Califórnia. Mas fui treinado para todo o tipo de situações climáticas extremas.

– Não duvido. Mas não precisas de o fazer. Agora, dá-me as chaves.

Ele franziu o sobrolho e olhou pela janela.

– Tu também não devias sair.

– Tenho de sair. Se não levar o todo-o-terreno para a garagem, ficarei sem motor.

– Eu faço-o.

Ela abanou a cabeça enquanto punha um cachecol para tapar a garganta e as orelhas.

– Também preciso de combustível para o gerador e trarei um pouco de lenha.

Ele interpôs-se no seu caminho.

– Eu faço-o.

– Olha, já me ajuda muito que fiques com os gémeos – Rachel pôs as luvas e esperou que ele se afastasse. – Sei o que estou a fazer.

Ele cedeu e pôs a mão no bolso das calças para lhe dar as chaves.

– Tem cuidado.

– Tenho sempre. Há velas e fósforos na cozinha, no armário que está à esquerda do lava-loiça. No caso de faltar a luz antes de eu voltar.

Pôs a mão no armário e tirou um rolo de corda, que pôs ao ombro.

– Para que é isso? – quis saber Sullivan.

– Para me guiar na neve. Ato uma ponta ao alpendre e a outra à minha cintura. Assim não tenho problemas para voltar para casa.

– Isto é ridículo! Não posso deixar-te ir sozinha.

– Acho que já tivemos essa conversa. Vivo sozinha, Sullivan. Faço o necessário para sobreviver. Independentemente de ter comigo um machão – tirou um segundo par de luvas e pô-las sobre o primeiro. – E não tenho tempo para discutir.

Sem esperar por uma resposta, abriu a porta, saiu e fechou-a atrás dela.

 

 

Ford olhou para os dois bebés, que estavam ao seu colo. A sua segurança tinha de ser a prioridade, mas não gostava que Rachel tivesse de lutar sozinha contra os elementos.

Levou as crianças para o parque. Os dois aproximaram-se imediatamente da beira e levantaram-se. Ele deu-lhes alguns blocos de plástico para que se entretivessem. Nem Cody nem Jolie prestaram atenção aos blocos, mas protestaram.

Ele queria ir à janela e verificar os progressos de Rachel, porém, em vez disso, aproximou-se da lareira. Já estava a apagar-se. Pôs outro toro e, depois, começou a caminhar de um lado para o outro.

– O que dizes, Cody? Nós somos os homens. É o nosso dever proteger as mulheres. Não devíamos estar aqui e ela lá fora.

– «Ma ma ma ma»? – Jolie pôs um dedo na boca.

Ford parou e olhou para Jolie. Era estranho ouvi-la a chamar «mamã», ou algo parecido, a Rachel. E fê-lo pensar em como a vida dela mudara num período de tempo tão curto.

Tony e Crystal já não estavam lá, tinham falecido num terramoto no México.

Ao voltar da sua missão, surpreendera-se ao saber que era o tutor dos filhos de Tony. Sim, era verdade que aceitara a responsabilidade, mas nunca pensara que fosse necessário assumi-la. E muito menos tão cedo. Mas, quer estivesse preparado ou não, devia-o a Tony. Ele salvara-lhe a vida e a honra e a amizade obrigavam-no a cumprir o seu último desejo.

Tony sempre invejara a família tão unida que Ford tinha, por isso quisera que fosse ele a criar os seus filhos. O que significava que tinha de levar as crianças para casa. Iria viver com a sua avó, que acedera a cuidar deles. E também contrataria uma ama.

Ford não queria magoar Rachel, mas as coisas teriam de ser assim.

A tempestade, no entanto, ia atrasar o inevitável.

Rachel surpreendera-o muito. Os seus olhos e aquele cabelo loiro, curto e atrevido, escondiam uma paixão interior que certamente quase ninguém conhecia.

Apesar de a sua maneira de o proteger o frustrasse, respeitava o seu espírito, o seu desejo de ser capaz de cuidar das crianças.

Só tinha de a convencer de que elas estariam melhor com ele.

Depois de a ter salvado de congelar lá fora.

Apesar da sua teimosia e da sua força, quase não devia pesar nada. Atada ao extremo da corda, teria de lutar como um gato contra um furacão.

Só tinham passado cinco minutos desde que ela saíra, mas Ford não conseguia suportar mais. A sua avó não o ensinara a sentar-se enquanto uma mulher fazia o trabalho árduo. E muito menos enquanto arriscava a sua vida numa tempestade como aquela.

Aproximou-se dos bebés e percebeu que estavam a dormir, abraçados um ao outro.

– Isso é o que eu chamo jogar em equipa – comentou, pondo-lhes uma manta por cima. – Fiquem aí. Eu vou ajudar Rachel.

 

 

O frio atacava Rachel, congelando as partes do seu corpo que não estavam cobertas, travando-a, fazendo com que cada respiração a cortasse como o gelo. A neve e a chuva batiam no pára-brisas, dificultando a visão.

O motor não arrancou nas primeiras tentativas. Rachel temeu que fosse demasiado tarde. Fazendo figas, tentou uma última vez e respirou com mais tranquilidade ao ver que finalmente arrancava.

Graças a Deus. Não queria que Sullivan ficasse ali preso mais tempo do que o necessário. Infelizmente, o necessário seria pelo menos alguns dias.

E, o pior, quando o tempo melhorasse, Sullivan queria levar os gémeos. Nem sequer conseguia pensar nisso.

Portanto, não pensaria.

Como se isso fosse possível.

Enquanto esperava que o motor aquecesse, Rachel apoiou a cabeça no volante e perguntou-se o que ia fazer se Sullivan lutasse para ficar com a custódia das crianças.

Ela vivia numa casa de um só quarto em Scobey, em Montana, uma localidade de pouco mais de mil habitantes. E trabalhava como assistente de veterinária numa clínica porque gostava mais de lidar com animais do que com pessoas.

O vento bateu no carro enquanto ela se perguntava o que podia oferecer aos gémeos, para além de uma casa pequena e de um dom inexistente para lidar com os outros.

Um lar. Uma carícia a meio da noite. Uma família a que pertencer. As respostas provinham do mais profundo da sua alma, onde escondia as suas esperanças mais secretas, os seus sonhos.

Uma família. Rachel prometeu-se que lutaria para que Cody e Jolie soubessem o que era fazer parte de uma família.

Porque ela nunca teria achado que podia amar tanto alguém, nem em tão pouco tempo.

E ninguém, nem Sullivan, nem nenhuma outra pessoa, ia tirar-lhe aquilo.

Levantou a cabeça e agarrou na alavanca das mudanças.

De repente, a porta do carro abriu-se. Ela deu um salto e gritou.