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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2001 Sara Craven

© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Amor encoberto, n.º 664 - setembro 2018

Título original: Smokescreen Marriage

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-9188-543-6

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

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Capítulo 1

 

 

 

 

 

O quarto estava na penumbra. A luz da lua entrava pelo rendilhado das persianas e reflectia-se no chão.

O murmúrio do ventilador do tecto que removia o ar quente do quarto quase que não se distinguia no meio do incessante canto dos grilos do jardim.

Umas passadas masculinas aproximaram-se da cama e uma voz rouca sussurrou-lhe ao ouvido:

– Katharina.

Ela mexeu-se languidamente entre os lençóis de linho que cobriam a sua nudez. Com um sorriso de boas-vindas nos lábios, levantou os braços para…

Com um sobressalto, Kate sentou-se na cama, sentindo um nó na garganta e o coração violentamente acelerado.

Obrigou-se a respirar com calma enquanto olhava em redor para se assegurar de que estava no seu quarto, no seu andar. Na janela havia cortinas e não persianas. E lá fora o único som perceptível era o do tráfego de Londres.

Era um sonho, pensou. Só tinha sido isso, um sonho mau. Outro pesadelo.

Ao princípio, tinha-lhe acontecido isso quase todos os dias e, apesar da sua mente tentar racionalizar o sucedido, não o conseguia; a dor e a traição tinham-na marcado profundamente. Os acontecimentos do ano anterior estavam sempre presentes, nalgum lugar da sua mente, afectando o seu subconsciente.

Felizmente, após algum tempo, os pesadelos tinham começado a ser esporádicos; não tinha um pesadelo há quase duas semanas.

Já pensava que tinha começado a curar-se dos traumas.

Mas agora ali estavam eles outra vez…

Seria um presságio? Chegariam notícias dele? Receberia finalmente o telefonema ou a carta que lhe ia conceder a tão desejada liberdade?

Não conseguia imaginar o que queriam dizer aqueles sonhos. Ela tinha feito tudo o que podia com a ajuda de um advogado…

– Mas, senhora Theodakis, a senhora tem direito a…

Ela interrompeu-o abruptamente.

– Não quero nada – respondeu. – Nada de nada. Faça-me o favor de comunicar isso à outra parte. E, por favor, não volte a usar esse nome; prefiro que me chame menina Dennison.

O homem tinha assentido, mas a sua expressão dizia-lhe claramente que o nome não mudava a situação.

Tinha tirado a aliança, mas não era igualmente fácil tirar as recordações da sua memória. Para todos os efeitos, ainda era a esposa de Michael Theodakis e assim continuaria até que ele aceitasse o pedido de divórcio que ela tinha interposto.

Quando fosse livre, os pesadelos cessariam, pensou. Então poderia voltar a organizar a sua vida.

Era essa a esperança que a tinha mantido de pé durante os dias cinzentos e as noites intermináveis desde que tinha deixado Mick e que tinha posto fim àquela farsa de casamento.

Sentiu um calafrio e envolveu os joelhos com os braços. Tinha a camisa de dormir encharcada em suor e colada ao corpo.

Estava cansada.

O seu trabalho como guia turística era cansativo; no entanto, não conseguia dormir. O seu corpo estava totalmente desperto, intranquilo por causa da necessidade e do desejo que tentava evitar.

Como podiam as suas recordações ser tão fortes?, questionou-se com desespero. Porque é que não conseguia esquecê-lo com a mesma facilidade com que ele parecia tê-la esquecido a ela? Porque é que não respondia às cartas do seu advogado ou não dava instruções à equipa de advogados que trabalhava para o todo-poderoso clã dos Theodakis?

Com todo o seu dinheiro e poder, desfazer-se de uma esposa não desejada era a coisa mais fácil do mundo. Passava os dias a assinar papéis. Que diferença fazia uma assinatura a mais, outra a menos?

Voltou a deitar-se na cama e tapou-se com o lençol. Enroscou-se para que o espaço vazio ao seu lado não lhe parecesse tão grande e desolador.

 

 

Eram quase oito da noite quando chegou a casa no dia seguinte. Sentia-se exausta. Tinha passado o dia com um grupo de trinta japoneses muito educados que tinham mostrado muito interesse em tudo, mas não tinha estado em plena forma.

Nessa noite, ia tomar um dos comprimidos para dormir que o médico lhe tinha receitado quando voltara da Grécia. Precisava daquele trabalho e, mesmo que fosse temporário, não podia dar-se ao luxo de o perder.

Quando voltou a Inglaterra, todos os postos permanentes estavam ocupados. Felizmente, a sua antiga agência de viagens, a Halcyon Club, mostrara-se encantada por a contratar durante o Verão. Kate insistiu numa questão relativa ao contrato: não viajaria para nenhuma das ilhas gregas.

A caminho das escadas, deteve-se para recolher a correspondência. Tratava-se de cartas do banco e alguma publicidade e… uma carta com um selo da Grécia.

Ficou parada a olhar para o remetente escrito à máquina.

«Encontrou-me», pensou. «Sabe onde estou. Mas como é que isso foi possível?»

E por que razão a contactava directamente quando ela só tinha comunicado com ele através do seu advogado?

Mas desde quando é que Mick Theodakis se guiava por alguma regra que não tivesse sido estabelecida por ele mesmo?

Subiu as escadas rapidamente, consciente de que as suas pernas estavam a tremer. Quando chegou à porta, teve que fazer um esforço para meter a chave na fechadura.

Na sala de estar, pousou a carta sobre a mesa como se queimasse e dirigiu-se ao atendedor de chamadas automático. Se Mick se tinha posto em contacto com ela, talvez também o seu advogado lhe tivesse telefonado e a resposta que tanto esperava tivesse finalmente chegado.

Em vez disso, soou a voz preocupada de Grant:

– Kate, estás bem? Não me ligaste esta semana. Querida, telefona-me, por favor.

Kate suspirou e dirigiu-se para o quarto para tirar o uniforme de trabalho azul-marinho.

Era muito simpático da sua parte, mas sabia que o que havia por detrás daquelas chamadas era algo mais do que simpatia. Queria voltar a namorar com ela, queria que a relação deles voltasse a ser como antes, ou até mesmo ter algo mais sério. Dava como certo que ela queria o mesmo. Que, tal como ele, considerava o ano anterior um período de loucura transitória que, graças a Deus, já tinha acabado. Acreditava que quando obtivesse o divórcio, casaria com ele.

Mas Kate sabia que isso nunca aconteceria. Grant e ela não estavam comprometidos de forma oficial quando ela se foi embora para trabalhar em Zycos, no mar Jónico; mas tinha intuído que, quando acabasse a temporada, ele pedi-la-ia em casamento… e ela teria dito que sim. Não teria tido dúvidas. Era bonito, tinham gostos parecidos e, apesar dos seus beijos não a fazerem arder de paixão, tinha prazer suficiente com eles para desejar que a sua relação se consolidasse.

Nas semanas que tinha estado em Zycos, tinha sentido saudades dele, tinha-lhe escrito todas as semanas e tinha esperado, quase com ansiedade, os seus telefonemas.

Tudo isso era, sem dúvida, suficiente para se casar.

Provavelmente, Grant pensava que continuava a ser suficiente; mas ela tinha mudado. Já não era a mesma pessoa e tinha que lho dizer rapidamente, pensou, sentindo-se realmente mal.

Tirou o vestido e colocou-o num cabide. Por baixo, tinha roupa interior branca, bonita e prática, mas nada sexy. Um conjunto totalmente diferente da lingerie que Mick lhe tinha comprado em Paris e em Roma. Peças de seda para satisfazer os olhos de um amante.

Mas não havia amor; nunca tinha havido.

Vestiu o roupão e atou-o com força. Depois, retirou o gancho com que tinha apanhado o cabelo ruivo num rabo-de-cavalo e abanou a cabeça para que o cabelo caísse em cascada pelos ombros.

«Como um chama ardente», tinha-lhe dito Mick com uma voz rouca, introduzindo os dedos na vasta cabeleira até chegar aos lábios.

Kate ficou tensa e disse a si própria que não devia pensar nisso. Não podia permitir-se ter essas lembranças.

Queria afastar-se do espelho, mas algo a mantinha ali, a examinar-se com frieza.

Como é que alguma vez podia ter sonhado que lhe era possível atrair um homem como Mick Theodakis?, questionou-se, taciturna.

Nunca tinha sido uma beleza. Tinha o nariz demasiado grande e o maxilar demasiado anguloso. Mas tinha as maçãs do rosto proeminentes e as pestanas compridas, e os olhos, cinzentos esverdeados, eram bonitos.

«Fumo de jade», tinha dito Mick sobre os seus olhos…

E tinha mais sorte do que a maioria das ruivas, porque a sua pele bronzeava-se sem ficar vermelha. Ainda se notava o bronzeado que tinha adquirido na Grécia. Ainda se notava no seu dedo a marca branca da aliança. Mas essa era a única marca que havia no seu corpo, porque Mick sempre a tinha incentivado a juntar-se a ele para tomar banhos de sol nua na sua piscina privada.

Oh, Céus. Porque é que estava a fazer aquilo a si própria? Porque é que se permitia pensar naquelas coisas?

Tensa, afastou-se do espelho e dirigiu-se para a cozinha para preparar um café bem forte. Se tivesse conhaque, provavelmente teria acrescentado um pouco.

Depois sentou-se à mesa e preparou-se para abrir o envelope.

Era terrível saber como lhe tinha sido fácil encontrá-la. Parecia que ele estava a mostrar que o seu poder sobre ela existia em qualquer parte do mundo.

Abriu o envelope com determinação e ficou a olhar para o cartão que aí se encontrava, atónita. Era um convite de casamento! A última coisa que esperava encontrar dentro do envelope.

Tratava-se de um convite de Ismene, a irmã mais nova de Mick, que ia casar com o seu noivo Petros. Mas, porque é que lhe estavam a mandar um convite para ela?

Com o sobrolho franzido, leu a nota que vinha com o convite.

 

Querida Katharina:

O papá deu-me finalmente a sua permissão para casar e sinto-me muito feliz. Vamos casar na cidade em Outubro e tu prometeste-me que estarias comigo no dia do meu casamento. Preciso de ti, irmã.

Tua querida Ismene.

 

Kate amachucou a nota na mão. Ismene estava louca ou era demasiado inocente?, questionou-se.

Não podia realmente acreditar que ela iria ao casamento depois de se ter separado do seu irmão. Apesar de lho ter prometido quando estava a viver no meio de um sonho estúpido.

Já não era a mesma pessoa, pensou.

Mas por que razão Mick teria permitido que lhe mandassem aquele convite? Por outro lado, Ismene era tão impulsiva que, provavelmente, nem o tinha consultado.

Também a surpreendia o facto de Aristóteles Theodalús, o poderoso patriarca da família, ter autorizado aquele casamento. Quando ela vivia debaixo do mesmo tecto que ele, na Vila Dionísio, ele sempre se tinha oposto; nenhum simples médico era suficientemente bom para a sua filha, mesmo que fosse filho de um amigo.

Todos os dias podiam ouvir-se os gritos do pai e o choro da filha sempre por aquele motivo. Um dia, Mick não aguentou mais e decidiu que se iam embora para a casa de praia, onde ficaram até que…

Kate deu um gole no café, mas o líquido quente não conseguiu derreter o gelo que sentia na boca do estômago.

Aquelas semanas tinham sido as mais felizes da sua vida. O sol tinha brilhado todos os dias e a lua, todas as noites. Fora da casa, só se ouvia o canto dos pássaros e dos grilos, o murmúrio da brisa a passar pelos ramos dos pinheiros e o som das ondas do mar.

E, acima de tudo, o sussurro das palavras de Michael ao seu ouvido.

Com as suas carícias, tinha-a levado a deixar a sua timidez de lado, a dar e a receber quando faziam amor. E a sentir-se orgulhosa do seu corpo magro, das suas pernas compridas, da sua cintura estreita e dos seus seios pequenos e duros.

E tinha sido uma aluna ávida de conhecimentos, pensou com amargura. Uma aluna que se tinha rendido facilmente à sua habilidade como amante! Quando os seus corpos nus se uniam na paixão, ela ficava sem fôlego.

Tinha estado tão enfeitiçada pelas novas experiências sexuais que Mick lhe tinha ensinado que as tinha confundido com amor.

No entanto, tinha sido apenas um entretenimento passageiro, uma novidade. A distracção de que ele necessitava para se esquecer do seu verdadeiro amor.

O café pareceu-lhe muito amargo e afastou a chávena, sentindo náuseas.

Não podia permitir-se ir ao casamento de Ismene. Durante os meses que tinham passado juntas, tinham-se tornado boas amigas e sabia que a jovem sentia a sua falta, desde que ficara só com Victorine. De facto, a nota tinha-lhe parecido um pedido de socorro.

Mas não devia pensar dessa forma. Não podia dar-se ao luxo de pensar em Victorine, a beleza grega que dominava a vida de Aristóteles Theodakis e de Mick.

Escreveria uma carta formal para se desculpar por não ir ao casamento.

Pousou o convite sobre a mesa e levantou-se. Sentia-se fraca e precisava de comer alguma coisa, apesar de não ter apetite.

O dia seguinte ia ser cansativo. Tinha um grupo de estudantes franceses que devia passear por Londres.

O melhor seria tomar um duche e deitar-se cedo para tentar recuperar as horas de sono em falta.

Tomou um duche rápido e, quando estava pronta para ir para a cama, alguém tocou à porta.

Kate suspirou. Devia ser a senhora Thursgood, a idosa que vivia no andar de baixo. Costumava receber as encomendas dos outros inquilinos quando eles não estavam em casa.

Era uma mulher muito amável, mas, também, muito curiosa. Provavelmente, estava à espera que ela lhe oferecesse uma chávena de chá em troca do favor de receber os livros que ela estava à espera.

Kate esboçou um sorriso e abriu a porta.

Ficou petrificada e pensou que ia desmaiar.

– Minha amada esposa – disse Michael Theodakis com suavidade. – Kalispera. Posso entrar?

– Não – respondeu ela com uma voz alterada. Sentia que ia desmaiar e não podia permitir-se semelhante fraqueza diante dele.

Deu um passo atrás.

– Não – repetiu com mais veemência.

Ele estava a sorrir e parecia muito tranquilo.

– Mas não podemos ter uma conversa civilizada à porta, agape mou.

– Não tenho nada para te dizer, nem à porta nem em nenhuma outra parte. Fala com o meu advogado tudo o que quiseres.

– Que indelicada – disse ele. – Depois da viagem que fiz para te ver… Esperava que tivesses aprendido algo sobre a hospitalidade grega.

– Esse não é o aspecto da minha vida contigo de que melhor me lembro – disse Kate, começando a recuperar o fôlego. – Eu não te convidei, por isso, por favor, vai-te embora.

Mick levantou as duas mãos, rindo-se com um ar divertido.

– Fica tranquila, Katharina. Não vim aqui para discutir, mas sim para negociar um acordo pacífico. Não é o que tu queres?

– Eu quero um divórcio rápido. E nunca mais quero voltar a ver-te.

– Continua – disse ele com os olhos negros cravados nela. – Com certeza que tens um terceiro desejo.

– Isto não é um conto de fadas.

– Tens razão. Para ser sincero, ainda não sei se é uma comédia ou uma tragédia.

– A sério que não? – replicou Kate com um sorriso cínico. – Tu não sabes sequer o que isso é.

– Seja como for, não tenciono ir-me embora enquanto não conversarmos, gineka mou.

– Não sou tua esposa – disse ela secamente. – Renunciei a essa duvidosa honra quando me fui embora de Cefalónia. Já te mandei uma carta muito clara onde dizia que o nosso casamento tinha acabado.

– Era um modelo de clareza. Até a decorei. E o facto de também teres deixado a tua aliança dá-lhe uma ênfase especial.

– Então deves perceber que não há nada a falar. Agora, por favor, vai-te embora. Amanhã tenho um dia muito duro e quero deitar-me.

– Não te vais deitar com o cabelo molhado. Isso é algo de que me lembro do nosso casamento, Katharina.

Ele entrou e fechou a porta com o pé.

– Como é que te atreves? – disse ela com a cara a arder. – Vai-te embora daqui antes que eu chame a polícia.

– Por quê? Alguma vez te fiz mal? Ou alguma vez te obriguei a fazer algo que tu não quisesses? – Mick viu-a ficar corada. – Porque é que não te sentas e secas o cabelo enquanto ouves o que tenho para dizer? A menos que queiras que to seque eu – acrescentou com suavidade.

Ela abanou a cabeça sem se atrever a dizer nada.

Não era justo. Não tinha o direito de recordar a intimidade que em tempos tinham partilhado.

O roupão de algodão chegava-lhe até aos pés; mas ela não conseguia esquecer-se que não tinha nada por baixo. Ele também sabia disso e estava a desfrutar do seu desconforto.

De repente, a sala parecia ter encolhido. A sua presença dominava-a, física e emocionalmente, invadindo o seu espaço.

Ele tinha o cabelo negro ondulado penteado para atrás e o seu rosto era orgulhoso. Os seus lábios tinham um toque sensual e quando sorriam faziam com que sentisse um aperto no coração.

Vestia um fato escuro que acentuava a arrogância do seu corpo alto e magro.

Observou que, no dedo anelar, ainda tinha a aliança.

Como é que podia ser tão hipócrita?, pensou, atónita.

– Recebeste o convite da Ismene?

– Chegou hoje.

– Mas ainda não tiveste tempo de lhe responder, pois não?

– Vou responder em breve. Como é óbvio, não vou ao casamento.

– Foi precisamente disso que vim falar contigo.

– Achas que me vais fazer mudar de opinião?

– Pensei que havia uma hipótese – disse ele, muito seguro de si mesmo. – De facto, acho que podíamos trocar favores.

Fez-se silêncio e a seguir Kate perguntou:

– A que é que te referes?

Ele encolheu os ombros.

– Ao facto de tu quereres um divórcio rápido; pelas vias normais, o processo poderia demorar anos.

– Isso é chantagem! – disse ela com um tremor na voz.

– Ah, sim? Mas sabe-se lá se eu estarei de acordo que o nosso casamento «se destruiu de forma irreparável» como tu alegas na tua petição de divórcio.

– Mas foi isso que aconteceu. Tenho a certeza de que tu também deves estar desejoso de te divorciares.

– Estás enganada, agape mou; não tenho pressa nenhuma.

«Claro que não», pensou ela. «Pelo menos enquanto o teu pai for vivo e a Victorine continuar a viver com ele.»

– Não achas que as pessoas vão estranhar se eu for ao casamento?

– Não me interessa o que as outras pessoas pensem. Além disso, só sabem que estamos separados há algum tempo. Não sabem qual foi o motivo.

– Espero que não estejas a pensar em representar nenhum papel; não sou boa actriz – disse Kate com azedume. – Além disso, para que é que queres que eu vá?

– Eu disse que queria? Estou aqui por Ismene, não por mim.

Ela não o olhou.

– Como uma convidada normal? Mais nada?

Ele gozou com ela:

– Mas, Katharina pensaste que eu dormi sozinho durante todo este tempo? Que tenho estado a sonhar com o teu regresso? És tão inocente!

– Não – respondeu ela. – Já não sou.

Os dois ficaram em silêncio durante algum tempo.

– Tenho que pensar sobre isso – acrescentou passado algum tempo.

Ele assentiu. Dirigiu-se para a porta e parou para olhar para a casa.

– Então foi por isto que me trocaste. Espero que aches que valeu a pena.

– Não preciso de luxos para ser feliz – disse ela num tom desafiante.

– Evidentemente – retorquiu ele. – Se és feliz assim…

Olhou fixamente para ela com um leve sorriso nos lábios e foi-se embora.